quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O ideólogo ou o mentiroso?

O antropólogo estadunidense Clifford Geertz, no capítulo "A ideologia como sistema cultural", contido no seu clássico (e, porque não, fabuloso?) livro "A interpretação das culturas", retoma uma discussão (um tanto quanto epistemológica, pois) que permeou as disputas entre os principais "ismos" do século XX, como o capitalismo, o comunismo, o nazismo e o fascismo. Neste texto, Geertz apresenta que a "postura ideológica" dos grandes movimentos socio-políticos são, essencialmente, e na verdade, dualismos. Ou seja, opõem "o puro 'nós' ao perverso 'eles'" e proclamam "que aquilo que não está comigo está contra mim". Ora, não é assim que funciona todo tipo de convicção, todo tipo de sentido? Onde se localiza, então, a fronteira entre o ideólogo (aquele que convence sem querer querendo) e o mentiroso (aquele que convence querendo)?

O mentiroso é aquele que omite a "verdade" para conduzir outrem ao "erro", pois se a mentira do mentiroso não é compreendida como verdade pelos "outros" seus objetivos morrem na praia. O ideólogo, porém, é aquele que coloca a "verdade" para conduzir outrem a um "suposto acerto", seja por meio do exercício filosófico, da prática política ou do moralismo religioso.

Esta reflexão inicialmente aponta para um período anterior a Jesus Cristo; que, há quem diga, foi o maior ideólogo que já existiu. Quatro séculos antes, um certo falastrão, geralmente chamado de Aristóteles (lá dos campos da filosofia), já havia tentado solucionar o enigma aqui proposto: "comunicar é persuadir". Esta "persuasão" da qual indica o filósofo grego pode ser representada pelas convicções cegas que estão constantemente sendo trocadas no mercado das culturas. Em outras palavras, a convicção se apresenta como o sentido (ou a ordem!) que engana o vazio humano. É como trocar gato por lebre. Assim, o pobre-filósofo-político-religioso troca seis por meia dúzia e o problema não se resolve.

Seria doloroso se admitíssemos que em qualquer papo de buteco estamos (sem maldade, faço votos!) também tentando (e insistindo!) convencer alguém que "nossa ideologia" é a mais verdadeira, a mais legal ou a mais moralmente justa. Então, o mentiroso apenas perverte em certa medida sua própria ideologia? É só isso? Acabou? Não, pois, nesse sentido, tanto o ideólogo quanto o mentiroso estão caminhando pelo mesmo inferno: a "verdade de si". Esta espécie de maldição com a qual temos dificuldade em conviver incomoda de três formas:

1) Ou o sujeito se torna um "louco" (Sim: um completo maluco!). Aquele cara que suborna a própria consciência ou a "verdade de si" para não transformar sua vida num "eterno erro", numa total carência de sentido, sem comparsas para compartilhar com ele seu pobre delírio;
2) Ou a "verdade de si" é transformada em FANATISMO IDEOLÓGICO; um fanatismo que, a qualquer um que se autodenomine democrata, funciona como sinônimo de DITADURA.
3) Ou ainda a "verdade de si" se torna tão trivial para os "outros" que caímos naquilo em que os HOMENS MODERNOS (aqueles que usam terno e gravata, mas não aparecem nos noticiários nem tampouco nos comerciais da novela das oito) consideram como a maior das desgraças: A TRADIÇÃO; que nada mais é, pois, do que o resultado ou a expressão das experiências humanas, como a religião, a política e a própria filosofia.

Trazendo o papo para nossa "realidade real", parace óbvio que a exaltação da novidade e, ao mesmo tempo, o esfacelamento das tradições se manifestam nos homens "(pós-)"modernos. No entanto, questiono se este cenário poderia se reproduzir e se edificar (ou até mesmo ser pensado!) no solo de uma sociedade que não fosse tão marcada pela confusão entre individualismo e coletividade, que é em certa medida o entre-jogo das "idéias" e das "ideologias". Mas ressalto também que as ilusões (bastante eficazes, pois) de uma ciência que, embora frágil, se impõe como instrumento absoluto do conhecimento, certamente se traduzem da confusão sócio-cultural (mental? ou psycho-LÓGICA?) para a ordem forjada que, no plano político-econômico, se constrói sobre a égide de um castelo de cartas geralmente chamado de consumo.

Imaginem se o capitalISMO também fosse considerado como um FANATISMO DE IDÉIAS? É evidente que, dos gestos econômicos às manifestações ideológicas, o drama humano mostra sua única, mas variada face. Atualmente este drama se apresenta pelos sussurros mudos dos democratas... E, trust me, isto não é COMUNISMO-ISMO, mas a mudez do espírito gritando: Help!

Pois, bem. Àqueles que acreditam nas novidades, constata-se aqui uma nova: sem as ideologias nem as mentiras teriam sentido. Mas se acreditarmos na máxima (D)aquele judeu barbudo-cabeludo chamado Jesus Christ, meio-antiquado-meio-moderninho, mas considerado um dos melhores (ou mais sagazes?) ideólogos...

"Não faça ao seu próximo aquilo que não gostaria que fizessem consigo!"

E, então: fica mais fácil ouvir um coração quando ele grita ou quando ele murmura, hein?

Por: João Gabriel Rodrigues.