quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Exame Nacional do Ensino Médio: Alternativa ou piada social?

O principal argumento que defendia a utilização do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) como único meio de acesso às universidades públicas do país se baseava no discurso de que "precisamos democratizar a universidade pública". Sim! De fato: Louvável! No entanto, aqueles que se agarraram neste argumento, pseudo-democrático por sinal, deixaram de lado muitas outras questões que permeiam a pauta da Educação.

O Brasil é um país com um território de 8,51 milhões de km². Além disso, os níveis de desigualdade são estratoféricos: 10% dos brasileiros concentram 75% da riqueza. Vamos imaginar uma historinha:

Um estudante do Roraima que sempre sonhou em ser médico. Ele é relativamente dedicado e quer passar na Unesp (Universidade Estadual Paulista), uma das universidades mais concorridas do país. Sua família não tem condição de mantê-lo em um estado como São Paulo. Imaginaram? Agora imaginem que este mesmo estudante consegue uma vaga em uma universidade qualquer para fazer outro curso: administração talvez. O que ele deve fazer? Rejeitar o ingresso e tentar Medicina novamente no próximo ano ou fazer o curso em que foi aceito para obter um diploma? É claro que o estudante roraimense optará pelo curso em que foi aceito! Ele não tem recursos. O que isso pode gerar em um país onde as desigualdades são colossais? Podemos esperar estudantes dedicados em serem excepcionais nas áreas que escolheram ou cidadãos preocupados em obter um diploma somente para ingressararem no mercado de trabalho? Assim, sem estudantes excepcionais, não haverá cidadãos excepcionais, nem ciência, nem tecnologia, nem política.

Há outras questões - menos evidentes talvez - que também fazem parte da pauta da educação: O Brasil desfruta de um sistema de transportes precário: as passagens rodoviárias são absurdamente caras e os aviões não funcionam; embora tenhamos a Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica). Lembrem-se: o Brasil possui uma área de 8,51 milhões de km² e o estudante roraimense precisa, além de sobreviver, se deslocar para uma outra cidade. Os transportes também são democracia! Será que nosso sistema de transportes é democrático?

Em resumo, não há escolha para o estudante do Roraima: ou ele faz outro curso ou ele passará anos tentando, sem recursos, entrar em medicina. E, se for esse o caso, se regozijará, dizendo: "Me esforcei e passei!" Bobagem! É democracia ou não é? Educação não é somente um direito do cidadão. Educação é, na verdade, dever de qualquer Estado que carregue a verdadeira bandeira da Democracia.

Eu poderia citar mais algumas poucas peculiaridades do nosso país: o Brasil é um país onde a Lei defende o bandido e agride o artista. O Brasil é um país onde as pessoas não compreendem nem a arte, nem a ciência e nem tampouco a política. O Brasil é um país onde as pessoas - aqueles 90% que estão fora da máquina de poder - precisam lutar muito, mas muito, para superar a ignorância, para conquistar as sobras - aqueles 25% - daquela riqueza, aquela riqueza que escapa ao crime organizado e aos políticos corruptos que, por fazerem parte desta lógica, nunca passaram por uma universidade e nem ao menos compreendem a essência do que seja Política.

Enquanto não compreendermos que a educação é apenas parte de um processo social muito mais intrincado, que exige, portanto, muito mais do que uma mudança na forma de ingresso à Universidade, estaremos fadados ao fracasso. Sem harmonia parece óbvio que qualquer tentativa de mudança venha a calhar. Assim, todo "esforço" político se reduz a mais uma das tantas piadas que o discurso democrático produz.

Se não vamos lutar por uma democracia real, lutemos ao menos para arrancar a máscara desta ditadura muda.

Por: João Gabriel Rodrigues.